II. E ERA UMA VEZ ESTE...
E era uma vez este homem
que era um chevrolet
casado com uma mulher de vidro
que era uma colher de prata
Tempos depois sobreveio uma zanga
que era uma criança nua
entre umas tábuas de passar a ferro
e dois elevadores lindíssimos
Metrónomo (disseram eles)
Verdadeira saudade pernilonga
o pára-raios pôs-se a esfardar romanticamente o toldo
de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro no
interior de um quarto
que era uma planície redonda semeada de vírgulas violeta
com um pequeno garfo nas costas
que era o amanhecer que é uma árvore
na boca de uma mosca de veludo rosa
Metrónomo metrónomo (disseram eles ainda)
é uma árvore é uma pedra que vai começar o terceiro canto?
É a aflição dos outros, meu amor.
Lembro-me de tudo como se fosse hoje
as crianças brincavam nos jardins
com um pequeno garfo nas costas
sem dúvida o mesmo de há bocado
e até era domingo vê lá tu
de repente apareceste muito devagar a meu lado
arrastando sem esforço dois aparadores baratíssimos
ai! minha tristeza não era uma barca
breve houve lapidações em série
com um ligeiro clic de chaufagem aberta
todos os meus irmãos começaram a andar velozmente para trás
pobres dos meus irmãos que será feito deles e de nós que fizemos?
Impossível saber-se até onde irá connosco a nossa confiança
Ficaste, mão que aperto todas as manhãs para atravessar incólumes
os espaços vazios
Ficaste, peito sangrento do mundo largada para o sol entre os bichos
e eu
meu único amor meu amor meu múltiplo amor meu
tu que és uma mesa redonda enamorada dos seus próprios círculos
um alcaide sem discos um maço de cigarros
que se descobriu flor
que se descobriu água
que se abriu de repente
que gritou de repente
que implantou na minha vida de repente a carola perfeita
da desorganização
Não me encontrarás como um anel na curvatura I - Z do teu dedo
mindinho
nem na treva que exalta os teus cabelos
nem no espantoso hall da tua testa fechada iluminadíssima
encontrar-me-ás numa nuvem de escamas milimétricas em torno da
tua boca
com toda a força principal na boca
ou nesta casa que é um homem morto
rodeado de rostos sempre translúcidos
- Onde está o homem que era um chevrolet
casado com uma vírgula de amianto?
Certo e sabido que anda sobre as águas que o matei sem querer
estas estrelas brilham com tal nitidez
que acabam sempre por tornar-se suspeitas
Não importa transfigurá-lo-ei em poderoso egípcio
Abracadabra! Vram! Abracadabra!
Os teus olhos estão belos como a lua dos rios exteriores
Mário Cesariny
in pena capital, assírio & alvim 1999
que era um chevrolet
casado com uma mulher de vidro
que era uma colher de prata
Tempos depois sobreveio uma zanga
que era uma criança nua
entre umas tábuas de passar a ferro
e dois elevadores lindíssimos
Metrónomo (disseram eles)
Verdadeira saudade pernilonga
o pára-raios pôs-se a esfardar romanticamente o toldo
de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro no
interior de um quarto
que era uma planície redonda semeada de vírgulas violeta
com um pequeno garfo nas costas
que era o amanhecer que é uma árvore
na boca de uma mosca de veludo rosa
Metrónomo metrónomo (disseram eles ainda)
é uma árvore é uma pedra que vai começar o terceiro canto?
É a aflição dos outros, meu amor.
Lembro-me de tudo como se fosse hoje
as crianças brincavam nos jardins
com um pequeno garfo nas costas
sem dúvida o mesmo de há bocado
e até era domingo vê lá tu
de repente apareceste muito devagar a meu lado
arrastando sem esforço dois aparadores baratíssimos
ai! minha tristeza não era uma barca
breve houve lapidações em série
com um ligeiro clic de chaufagem aberta
todos os meus irmãos começaram a andar velozmente para trás
pobres dos meus irmãos que será feito deles e de nós que fizemos?
Impossível saber-se até onde irá connosco a nossa confiança
Ficaste, mão que aperto todas as manhãs para atravessar incólumes
os espaços vazios
Ficaste, peito sangrento do mundo largada para o sol entre os bichos
e eu
meu único amor meu amor meu múltiplo amor meu
tu que és uma mesa redonda enamorada dos seus próprios círculos
um alcaide sem discos um maço de cigarros
que se descobriu flor
que se descobriu água
que se abriu de repente
que gritou de repente
que implantou na minha vida de repente a carola perfeita
da desorganização
Não me encontrarás como um anel na curvatura I - Z do teu dedo
mindinho
nem na treva que exalta os teus cabelos
nem no espantoso hall da tua testa fechada iluminadíssima
encontrar-me-ás numa nuvem de escamas milimétricas em torno da
tua boca
com toda a força principal na boca
ou nesta casa que é um homem morto
rodeado de rostos sempre translúcidos
- Onde está o homem que era um chevrolet
casado com uma vírgula de amianto?
Certo e sabido que anda sobre as águas que o matei sem querer
estas estrelas brilham com tal nitidez
que acabam sempre por tornar-se suspeitas
Não importa transfigurá-lo-ei em poderoso egípcio
Abracadabra! Vram! Abracadabra!
Os teus olhos estão belos como a lua dos rios exteriores
Mário Cesariny
in pena capital, assírio & alvim 1999
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