A NOITE
A noite veio de dentro, começou a surgir do interior de
cada um dos objectos e a envolvê-los no seu halo negro.
Não tardou que as trevas irradiassem das nossas próprias
entranhas, quase que assobiavam ao cruzar-nos os poros.
Seriam umas duas ou três da tarde e nós sentíamo-las cres-
cendo a toda a nossa volta. Qualquer que fosse a perspec-
tiva, as trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que, apesar
de a noite também se desprender das coisas, havia nela algo
de essencialmente humano, visceral. Como instantes exte-
riores que procurassem integrar-se na trama do tempo,
sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde, num ester-
tor, a emergir intermitentemente à superfície das coisas. Foi
nessa altura que a visão se começou a fazer pelas raízes.
As imagens eram sugadas a partir do que dentro de cada
objecto ainda não se indiferenciara da luz e, após compli-
cadíssimos processos, imprimiam-se nos olhos. Unidos aos
relâmpagos, rompíamos então a custo a treva nasalada.
Luís Miguel Nava
in Vulcão, quetzal ed. 1994
cada um dos objectos e a envolvê-los no seu halo negro.
Não tardou que as trevas irradiassem das nossas próprias
entranhas, quase que assobiavam ao cruzar-nos os poros.
Seriam umas duas ou três da tarde e nós sentíamo-las cres-
cendo a toda a nossa volta. Qualquer que fosse a perspec-
tiva, as trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que, apesar
de a noite também se desprender das coisas, havia nela algo
de essencialmente humano, visceral. Como instantes exte-
riores que procurassem integrar-se na trama do tempo,
sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde, num ester-
tor, a emergir intermitentemente à superfície das coisas. Foi
nessa altura que a visão se começou a fazer pelas raízes.
As imagens eram sugadas a partir do que dentro de cada
objecto ainda não se indiferenciara da luz e, após compli-
cadíssimos processos, imprimiam-se nos olhos. Unidos aos
relâmpagos, rompíamos então a custo a treva nasalada.
Luís Miguel Nava
in Vulcão, quetzal ed. 1994
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home