TUGAZOMBI

cadáver semi-frio com cereja na terceira narina

domingo, outubro 30, 2005

O HOMEM DO PIANO

O BRANCO E O NEGRO. O SILÊNCIO INTEIRO.PROFUNDO.
MACIO.PALPÁVEL.
E A CABEÇA VAZIA. SÓ MÃOS. AS MÃOS E O CORPO. AGORA
NU.EXPOSTO. PRÓXIMO DELA. DA MORTE.
RESPIRAVA-LHE O HÁLITO. DENSO. DOCE. DARDO A ESPETAR-LHE
UM DEDO DE AÇO NOS OLHOS.QUE FECHOU.
ATACOU ENTÃO O PIANO. NADA DE CLÁSSICOS. NADA QUE
EXISTISSE ANTES. UMA ORGIA DE SONS.UM FESTIM. UMA GRUTA.
E O SEXO A DANÇAR-LHE NAS MÃOS. E TOCOU. TOCOU ATÉ
TOCAR SANGUÍNEAMENTE O TAMBOR DA GUERRA DO FOGO. E
DEVAGAR PORQUE MORRIA DEPRESSA E TODOS OS GESTOS ERAM DE
FOME COMEÇOU A LAMBÊ-LA. COMO UM CÃO COMO UM LOBO
SEDENTO E ÁVIDO VADIO E SELVAGEM. PRIMEIRO A RAÍZ DOS
CABELOS FULVOS COMO O SANGUE ENROLADOS NA TESTA
ARREPIADOS NO CONTORNO DO ROSTO. DESCEU AOS OLHOS E
SELOU-OS COM FIOS DE BABA. CAIU-LHE NA BOCA. MERGULHOU-A
DE ÁGUA E FEZ-LHE UM NINHO DE SALIVA DESDE A RAÍZ DOS
DENTES À SEARA DA LÍNGUA AGORA DANÇARINA DESVAIRADAMENTE
SERPENTE SEM VÉUS NEM ESPADAS.
APENAS BOCA. PROFUNDA. MOLHADA.
O MAR O MAR O MAR A NAVEGAR-LHE NA GARGANTA.
DEPOIS A VEREDA. O PESCOÇO INCLINADO ABRINDO SULCOS E
ANGULOS E VALES DE PELE ESCORREGADIA.
E ESCORREGOU LENTAMENTE SOBRE OS SEIOS ALTOS.RETIROU A
FORMA TRIANGULAR COM BEIJOS DE OSTRA. BEBEU-SE NO SUOR
QUE ORVALHAVA COMO CHUVA TÍMIDA NA PELE. E PAROU.

O CORAÇÃO ATACAVA OS OUVIDOS. TOCAVA STACCATTOS
INTENSOS. DESCONFORTÁVEIS. ZUMBIDO DE PÁSSAROS EM CIO A
CERCAR-LHE OS OMBROS. E A MORTE A APROXIMAR-SE. ALTIVA.
URGENTE. INDOMÁVEL. GÉLIDA. SURDA.

(MOZART MOZART TOCA-ME A LACRIMOZA)

"E SENTOU-SE. BEM EM CIMA DO PIANO. ALARGANDO-ME O OLHAR
PARA O MEIO DAS PERNAS. QUE ABRIU. COM A TEATRALIDADE DE
UM GODOT QUASE TERNO. E ALI ESTAVA A MINHA CASA.
NAQUELE SEXO OSTENSIVAMENTE VERMELHO. ERA DIA DE
COLHEITA. OS MORANGOS CRESCIAM. ROSADOS E
PALPITANTES.VIA-LHES A TEXTURA DE LÍNGUA E O CHEIRO
INQUIETANTE. ÉBRIOS DE UM VÍCIO OPALINO ESTREMECIAM À
MINHA FRENTE COMO LABAREDAS . QUERIA TOCAR. TOCAR-LHES.
ATIRAR-ME INTEIRO NAQUELE CHÃO DE AGOSTO. E INICIEI-ME
ENTÃO. ANSIOSO E REDONDO ABRI A PORTA FENDA DA MINHA CASA
SABENDO QUE A SEGUIR MORRERIA QUANDO ELA
FECHASSE AS PERNAS. E O TEMPO. E O PIANO. E O SILÊNCIO.
TUDO.
REVI EM SEGUNDOS TODA A MINHA VIDA DE ENGANOS E DE FACAS.
E SEM MAGOA NEM ARREPENDIMENTO ENTREI. TODO.
ENTUMESCIDO. VIOLENTAMENTE ACESO. NU. A SENTIR-ME
MADURO. A EXPLODIR. A VIR-ME. COMO A CHUVA. COMO O MAR
SOBRE A AREIA. EM TEMPORAIS INESQUECÍVEIS.
ENTREI. TODO.

E ELA FECHOU AS PERNAS. ANOITECEU. E O TEMPO CAIU. AINDA
OUVI A AVÉ MARIA DE SHUBERT. MORRI.

E O PIANO TOCOU SOZINHO.


Isabel Mendes Ferreira
in www.mendesferreira.blogspot.com

2 Comments:

Blogger isabel mendes ferreira said...

Bom, de repente a mim é que me ía dando "uma coisinha má"...passava por aqui como sempre à procura e ao encontro da beleza e derrapo num texto conhecido de alguém que chegou de saturno....tá bem....coisas de teclas...viagens.diz à isa que lhe mando outro piano....:). e deixo-te uma flor absolutamente L O N G A. e um beijo na haste.

4:04 da manhã  
Blogger isabel mendes ferreira said...

qual coisa obscura? hum hum..

12:33 da manhã  

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