PRANTO PELO CORDÃO UMBILICAL
à minha mãe
a todas as mães
neutrões assumem o comando da matériacabeças vazias clamam o nihil
perdidas cabeças na pele
farrapo de células
os apelidos da infância humilham
aqueles que deram braçadas
no mar de saturno
facas estelares
atravessam os pulmões
que beberam o ar e a geografia abissal
a repetir uma e outra vez nos pesadelos
inicia-se a combustão
os átomos dançam em torno do fogo
entra e sai da câmara
o que és?
soletra «frio»
o sono longe e certa a faca do dia
sintoniza a cara de luz na avalanche mental
ouve o grito da imagem
esfaqueia a sombra do que se diz frágil
mas intocável
esfregam-se mãos na parede pintada
com o sangue dos vermes intermitentes
desenhos a lápis fino nos olhos apontados ao sol
a sujidade do mundo é vertiginosa
a beleza é subjugada pela raiva
ó mundo dos acidentes hormonais
bombardeado com motorizadas cadentes
vindas da cordilheira de meteoros
apartai de mim o jarro de porcelana que parti
e colei peça a peça com a cola dos lábios que
trinquei nas absurdas noites da paixão adolescente
¿como esquecer as roupas sujas
de lama e verdume de giestas?
o fim em cada luar
areia mastigada com desdém e antipatia egocêntrica
[o mundo selvagem]
cai a música
o açúcar da doença rapta o sorriso hipócrita
entre pensamentos planetários
os dedos já navalhas ferem as faces do rosto
mãe
a orquídea está cansada do orgulho
que lhe corre na seiva
mãe
expurga-me o veneno
a obsessão visionária é negritude discursiva
¿como esquecer o coração da viagem?
e se fosse possível prever
a órbita
das auréolas voadoras?
e se depositássemos
as veias
no antro estomacal do mundo?
e se largássemos
as mágoas
que causam anemia?
e se já não houvessem
os espelhos
da alegoria social?
e se prevalecesse a intercepção desmesurada
dos olhos onzeneiros
que sedentos esperam o desabamento do tecto?
e se a negra cor do pano
alimentada de medo
deixasse de ser a cor do sono comum?
mãe
vi Cassandra desolada
subindo a rua com a túnica rasgada
os pulsos rodando brancos
os dedos tacteando francos
o ar que já não respira
os olhos repetindo o poço de sangue que vira
o rosto esculpido pelo ódio
dedicado à besta que subiu ao pódio
– Cassandra arrasta seus pés
seguindo o trilho do sol pela última vez
mãe
vi Orestes procurando a víbora viperina
e nem Pílades lhe esgueira a sina
nem Ifigénia o reconhece agora
cada facada em sua mãe é hora
que passa recordando seu pai
com estima cega – o coração trai
o materno colo que de carne o adornou –
por Hermíone Orestes Pirro matou
e Cassandra soltou um sorriso maquiavélico
– Orestes carrega nas veias o amor bélico
o andarilho humanóide
festeja ensonado
a sumarenta denúncia
chove
e há quem se molhe por dentro
parafusos de cobre enferrujam na carne mole
do sentimento que veste os órgãos
suados de existência
chuva contrária
chove
e há quem arda por fora
mãe
o bicho-da-seda
encontra-se rodeado de agulhas
contorce-se de dores
quer sair e sairá
mãe
tenho dores por todo o corpo
monto o palco
forro o cenário com a pele
o mundo entra-me pelos poros
declaro único o lugar
[o cérebro da cidade dos homens]
único é o primeiríssimo lugar
– com todas as ossadas encaixadas –
no qual assisto à dança dos mártires do novo tempo
estar aqui
mergulhado no muco
lendo o vermelho da imagem
o sangue
sempre o sangue
digo sangue escorre sangue
e ele dentro
anima o corpo explodindo nas veias
o sangue
estar aqui
à espera que as vozes presas na minha cabeça
se soltem desobrigadas
para que possa escutar a mirabolante fábula
e desenhar os esquemas nas paredes amarelecidas
pelo líquido amniótico
dentro quente me sinto
as duas metades roçam-se com desejo
dentro possesso articulo os selos ósseos da memória
fora arde-me o umbigo
a musa esbofeteia o ar acima da cabeça
fora solta-se-me o cavalo de bronze
que amarga a língua presa ao meio
mãe
quero adormecer de novo no teu ventre
Porfírio Al Brandão
in Boca do Mundo
Universitária Editora 2004
6 Comments:
pois... o poema é fabuloso, como sabes... abraço de novo espantado.
como Tu. dizes como só tu...(percebo bem o teu fascínio pela Alice ...os talentos "casam.se"...)
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de resto o espanto coze.me a boca. assim não mais nada.e "copio" O Martim...pois...o poema é fabuloso.
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beijo.te.
estive a ler-te mais cedo
depois voltei devagarinho
e agora reli-te a fumar
porque me lês? ou publicas o que escrevo?
quando eu for grande, quero escrever como tu
agradeço as palavras da isa a meu respeito...
os verdadeiros génios têm sempre a humildade de reconhecer os iniciantes
um grande beijinho,
alice
quão enganada alice
desencarna-te e deslumbra-te
com o que escreves
:
um espelho alice
vês o côncavo
e eu o convexo
.
a poesia não é um concurso... talvez necessidade em luz a fazer dançar os dedos sempre engelhados ao redor da verdadeira imagem.
...
eu sou
apenas
um
ser
e
esse
será sempre
o meu intento;
preciso de me regar
com o que tu
e outros escrevem
para alumiar a minha própria carne
.
afinal o que interessa
é o sopro vital a habitar o corpo
...
o resto são palavras
.
bjo
ai,desculpa, neste mmt, a esta hora, este poema é areia demais para omeu cansaço 8provavelmente sê-lo~á smp..). Voltarei. bjs e ;) Luz e paz
obrigada, porfírio
fico muda
beijo-te
alice
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