Picasso (1922)
olharam o dente como se
abocanhassem a orla dalgum cabo principesco
com a pressa de pentearem sonhos que no pestanejo
se escangalham ao redor desse defunto castrador
à distância fóssil duma nova ilha intocável
entrassem elas docemente pela raiz esbatida
na onda doutro sangue já envelhecido
doando curvas a um bolbo maior entre os eleitos
sonhos de morder almofada ou viajar fundo
em sono cru
vissem elas o poder das naus nesse mesmo dente
o grande caldo calcário onde se lavam as estepes
com direito à marcha fúnebre de bonecos pomposos
quando na ladeira esmaltada não se roça o linguado
saído da torneira a pingar-lhes nas cabeças
e soubessem elas que os pingos são soldados
mortos por tecelagem burocrática e que
em selada idade irão sacudir os brincos em fúria
com ambas as mãos no peito
– o dente – perguntei-lhes porque veneramde manhã as gemas de sale elas responderam-me que o sal todo é da manhã
Chirico (1917)
aproveitando na boda o jardim d'espelhos para
o ensino da arte singular que é engolir
retoquemos a cobertura tóxica do bolo no centro
contráctil à música que varre as mesas
e sejamos feitos do brilho sujo da dança
da pobreza pura de relâmpagos faiscando contrastes
fragmentos de vídeo nesse sumo nauseado
demais o quanto sabemos que o é esta carne mutante
desmedida sempre e tanta saliva o comprova
sejamos par meu amor neste salão monstruoso
entre os que quebraram a flauta
sentindo os ratos-bisturi a galgarem-nos coluna acima
para apodrecerem nos lábios digna pergunta:
beber-se-á na arena destilado suor
como chuva cozinhada na atmosfera?
dancemos apenas e a sós dancemos
como se jamais tropeçássemos na variz purulenta
pela qual medram os sapatos em cada lance rítmico
e substitui o miocárdio deste salão
pleno de carícias urticantes que lubrificam a janela
por onde entrará o rinoceronte de luz
farejando-nos os ossos