TUGAZOMBI

cadáver semi-frio com cereja na terceira narina

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Georg Baselitz (1966)

quarta-feira, dezembro 28, 2005

2

ele vê-se a decifrar o arrojo sanguíneo – pensar
emergência do vermelho como
turbulência cerebral por fantasma estéril

e ele fala aos cães gemendo com um
em si adentro feroz cão negro

a esses que não teme fala de silêncio roedor
brusco inicia um retiro discursivo
pinga solidão intuitiva
verte violência muda
ginga entre balaústres do passado
aponta à esfera ladrares compulsivos

desce falando aos cães que o temem
gemendo sempre fugindo

do cão negro ainda em si dentro
Porfírio Al Brandão
in episódios

terça-feira, dezembro 27, 2005

Henri Le Fauconnier

segunda-feira, dezembro 26, 2005

uma casa chamada terra. e os pulmões respirando e comendo. as crianças também têm a boca negra e cegam. e são árduas e intactas. dentro de mim fulgura uma coroa fechada sobre a radiação das veias. as clareiras são os olhares de Deus e todas as minhas vísceras inocentes. que no fundo da noite há o aroma rosáceo e todo o Inferno da lenha e o pão entre as mãos. leva-me o coração como se fosse unânime de cantos.
Cristina Néry
inédito

domingo, dezembro 25, 2005

Gregório Lopes (1527)

Feliz Natal

sábado, dezembro 24, 2005

1

de romper cadências da chuva – a testa
fulminante arabesco a sonhar demónios de saias

o útero da chaminé abre-se com
fugazes melodias de insectos despromovidos
em cada clareira
um mural
em cada haste em L vertendo
céus de demasia líquida
e instaura-se o centro da maternidade do cacto
de maternidade arbórea a luzir em qualquer sonho

sem que morra a ânsia de acordar

e na cabine homem e mulher olham a estrada
olham-na
engolem-na no limite visual
sob o alcatrão
flashes contínuos da contínua improbabilidade
da viagem

para lá do vidro algo espreita
acima das cabeças
alcatrão volátil
incolor acima das cabeças – a latência eminente
dum beijo de morte

homem e mulher impávidos
agrestes beijam esquinas
mantêm a expressão inicial do rosto
em acrílico tempo de menos a menos vivido
e largam cinzas do embrião sonhado
voam
queimam-se na névoa do alcatrão volátil

homem e mulher na cabine
olham
desovam tristeza
esparramada na chapa crua cruel inabitável
do alcatrão espasmado

– duas árvores secas
Porfírio Al Brandão
in episódios

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Almada Negreiros (manuscrito)

terça-feira, dezembro 20, 2005

Georgia O'keeffe (1933)

domingo, dezembro 18, 2005

PARASITA MUSICANTE

pé ante pé espreito
o caruncho tropeçando nos filamentos nervosos
da guitarra;
e ela declama a sua narrativa – eu sem mim, imerso
no tráfego de sons

escalando a palavra escarpada pela pronúncia
avisto além o muro da gordura lexical

sigo o caruncho até à toca – junta-se aos seus.
boquiaberto com a desova da laringe matriarca,
foco as cabeças que curiosas
afloram às janelas da flauta a desatracar

rumo à fábula
Porfírio Al Brandão
in Iconocaptor
pré-publicação

sábado, dezembro 17, 2005

Karl Schmidt-Rottluff (1911)

sexta-feira, dezembro 16, 2005


entrego-me a esta lepra lúcida que me incendeia a carne. a frescura da tua sombra a rasgar os espaços onde respiro. túmulo imenso onde repouso, acumulo palavras.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Käthe Kollwitz (1910)

quarta-feira, dezembro 14, 2005

de vê-las refaço-as/mãos invaginadas na/paisagem peristáltica/ramificam-se possessivas/machucam vozes

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Franz Marc (1913)

domingo, dezembro 11, 2005

REWIND

de ver a privação
na pele amanhecida
de ver o pecado
mal embrulhado
de ver a estonteante
nudez apetecida
dos corpos
dentro do cérebro
– cama húmida

o dever
das mãos hábeis
desdenhosas por
irromper o véu
– manjar de embaraços

de o ver
verde
o mar, ela
elo, amar
o dever
de rever
Porfírio Al Brandão
in Iconocaptor
pré-publicação

quinta-feira, dezembro 08, 2005

W. S. BURROUGHS

terça-feira, dezembro 06, 2005

MEMBRANA

no último sábado, decidi colher bagos de tinta mágica.
atravessei a estrada como fronteira
rompia assim a película do breve perjúrio gelatinoso.
mais do que a dúbia impressão,
estranhei a hiperactividade dos pseudosentidos
– faiscaram ilhas nos nenúfares coralíferos
dos lábios

tarde soalheira com os dedos dos pés convertidos
em tesouras, desbravando ervas e arbustos;
palmilhando o teatro ecossistémico distingui
minúsculos seres corcundas,
guardiães à porta dos nós da árvore milenar
onde alojadas descansam as deusas ciganas
doutro tempo

servi chá de hortelã apimentada aos anões órfãos
da floresta.
deitei-os em suas camas – magas flores amarelas
da carqueja – despedi-me
e iniciei o regresso…
para além da película vislumbrei a transmutada égua

nos pastos de alcatrão
Porfírio Al Brandão
in iconocaptor
pré-publicação

segunda-feira, dezembro 05, 2005

COMPOSIÇÃO

Amadeu de Souza-Cardoso

domingo, dezembro 04, 2005

II

O génio dum pintor
É dar as cousas como Deus as fez
E como Deus, sonhando, as concebeu,
Bem antes de as criar. É dar o sol
E a sombra original que lhe embrandece
O ímpeto doirado a desfazer-se,
Em luminosa espuma, sobre o mundo.
É dar a um rosto humano a forma viva,
A claridade viva que ele trouxe
Do ventre maternal...
Esta anímica luz de simpatia
Que se exala, no ar, e vem de dentro
Dum coração a arder:
A nossa própria imagem condensando,
Através da aparência transitória,
A eterna aparição.
Teixeira de Pascoaes
Cânticos (1925)
Poesia de Teixeira de Pascoaes
Antologia organizada por M C
Assírio & Alvim

sábado, dezembro 03, 2005

Delacroix: da cruz bem sabemos!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

ÍMAN

luto limpo e claro na planície onde sobeja o ouro vegetal

uma noiva foge tatuando a película de sol
duma metáfora a sonhar árvores

a cada passo gota a gota lhe sobra o galanteio
e verte-se-lhe o sangue que o vestido morde
encarnando-o

áurea constelação de naifas ou
o rosto difundido no nojo do espaço
e os cabelos morrem sobre as folhas já mortas

no pensamento
Porfírio Al Brandão
in Iconocaptor
pré-publicação

quinta-feira, dezembro 01, 2005

despedidas.