TUGAZOMBI

cadáver semi-frio com cereja na terceira narina

terça-feira, julho 25, 2006

UM ADEUS CHAROLÊS

a regra assassina salvaguarda que os pêssegos
sangram mais na calçada
superlativo tridimensional no qual
a bailarina esquizofrénica estica as sedas
para filtrar mucos aleijados ao seu mestre rezingão

também choram estes pêssegos ou simplesmente
assobiam esófagos
mas isso mero percalço num talvez aberto
a outros que um na sua vez chama
em tantas rajadas e apenas insólita uma transporta
cornelhos medicinais à fábula

adeus aos monstros mais fiéis que não perdoam
o facto de nunca terem sido emprenhados na
primeira lua do mês de nisã
todos estes anos
e sentem-se cada vez mais feios
não obstante o sacrilégio de recordá-los em ceia onírica
com os prodigiosos utensílios carnais
preservando sempre um horror bélico a tresandar a sexo feroz
que dá brilho ao maravilhoso amado
sito na cúpula d'húmus

um longo e antiquíssimo olá às estórias enviuvadas
com fiozinho de mentira agridoce
bem perto do caldeirão mágico onde sortidos fogos
determinam a altura dos degraus no próximo sonho

e já que reentro nos silos da prosperidade dos poros
como se jogasse às escondidas com as gavetas de dalí
um até já a ti freud
que és magno tarólogo de doutores rubricóides
com mãos sempre prontas junto às canetas de prata
armadilhadas à cintura

adeus por fim ao amor lavrado em pedra fria
com a sua irrepreensível queda silábica
para o abandono

Salvador Dalí (1938)

domingo, julho 23, 2006

Cristina Néry [en français]

les lis gros sont pyramides accroupirées
et la grosse soie écorcée des hurlements traverssés
étaient venins ces langages cycliques ces débuts des anges muets
et serpents gémeaux les veines sourdes en vers
pour armer un profil du lin incarné.

*

os lírios grossos são pirâmides acocoradas
e a grande seda descascada dos uivos atravessados
fossem venenos as linguagens cíclicas os inícios dos anjos mudos
e serpentes gémeas as veias surdas em verso
para construir um perfil de linho que entrasse pela carne.

quinta-feira, julho 20, 2006

Clyfford Still (1944)

venho atrás do lanho violeta que me dá o alfabeto, ideia curva de deuses anões esperando a trombeta para verterem os favos maduros do céu. porque se pintam podres as estrelas telecomandadas numa atrapalhação pagã das mãos? desfeitas as roupas em melaço, experimento a ousadia de provar chuva com o seu travo a ferrugem sanguinolenta e o prazer de afiar os dedos na trovoada.

segunda-feira, julho 17, 2006

Pedro Cabrita Reis (2004)


















d'esperanças o clarão descendente chama a criança, e ela
pega na medula peganhosa do objecto pensante e se confunde
com o estímulo vermelho por mínimos circuitos convulsivos
das fibras deslizantes, não esquecida assume o músculo-
-betão ascendente, por um núcleo renascida no inseguro
desfile das imagens. pequeno soluço, arfa e curva os pés como
se agora segurasse o chão remanescente dos edifícios, ouve
falar por cima e sustém a respiração: sabe que lhe sujam os
vidros.

quinta-feira, julho 13, 2006

Alfred Stieglitz (1931)

as plantas são os mais belos mamíferos que um dia abmorto conheci. intriga-me se é desordem o desorvalhar das folhas, creio que sobredesenvolvimento mamário ao micronível dos estomas. fundamento é a própria gota que progressivo mamilo na queda se goteja e aleija o tempo como espelha leites por aguar num antebranco dominical. isto sem falar da extravagância sexual e púbicos consentimentos, pois verde a tocar-se verde refulge toda a matéria, e os olhos são dois alvéolos do anormal pulmão do mundo.

quarta-feira, julho 12, 2006

Diego Rivera (1947)

] porque as árvores nos chovem [

segunda-feira, julho 10, 2006

ILHÉU BÍBLICO (in Itinerário Trágico-Lírico)

a mãe traz no ventre
o capataz da paz

a pomba d’ouro debica
o besouro do tesouro

o senhor do vento assina isento
a morte em juramento

o corvo de prata pousa uma pata
no ombro de quem mata

o animal na arca terminal
preserva o mal natural

a serpente se calça sapatos apaga
os factos e o mundo em três actos

o crucifixo oxida submisso
aos beijos do pecador prolixo


PAB (2001)

sexta-feira, julho 07, 2006

Salvador Dalí (1942)






















enoja-me o verdete entusiasmado das notícias
mais o cheiro a bâton
cruzado com o do grave charuto
por verbete me pareça
alérgico sim ao tumor-champanhe do beberete
porque minha casa envelhece
ela é de esferovite
enegrece ao tom eufórico do jornal
viveiro onde o vírus se replica como se masturbasse
nas barbas de cada célula cutânea
muito embora fechado nela
porém colossal quanto prensado por colunas esguias
que lhe trazem a peçonha
fechado sim mas alongando pus por excitação
e os espigos musicais esburacam
uma cozinha julgada útero
num sussuro digital

quinta-feira, julho 06, 2006

Caravaggio (1606)
























o fruto morreu à meia-hora portanto
são horas de demolhar o calendário

ou acusar solstícios imprevisíveis nos músculos
numa intermitência de cores secundárias

não adianta sufragar a escorrência da polpa
nem tanto rever ópticas de leitura genética
em subcamadas do olho germinativo

é do dedo fixo o lugar envolvente
resta só
chegar por precisão a um derrame

segunda-feira, julho 03, 2006

Isto é noite
ou dia perdendo tempo

isto é morte
ou vida perdendo tempo
isto sou eu outro
perdendo tempo

porquê aqui
eu perdendo tempo
se o lugar é imenso

porque sendo assim penso

existo
ou a luz perde tempo perdendo
tempo

Fernando Lemos
António Pedro (1934)

domingo, julho 02, 2006

Georges Rouault (1928)

da crueldade cénica que à vida nos assiste